Qual é a situação dos cristãos na Nigéria e por que Trump está ameaçando intervir no país?

  • 08/11/2025
(Foto: Reprodução)
Qual é a situação dos cristãos na Nigéria e por que Trump está ameaçando intervir no país? Getty Images O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ameaçou adotar medidas contra a Nigéria caso o governo "continue permitindo o assassinato de cristãos". Em vídeo publicado na plataforma Truth Social, Trump afirmou que pretende "fazer coisas com a Nigéria das quais a Nigéria não vai gostar" e "entrar nesse país agora desonrado com armas em punho". Mas o interesse do governo Trump no tema não surgiu do nada. Há meses, ativistas e políticos na capital Washington afirmam que militantes islâmicos vêm atacando sistematicamente cristãos no país africano. Veja os vídeos que estão em alta no g1 A BBC apurou, porém, que parte dos dados usados para sustentar essa conclusão é de difícil verificação. Em setembro, o apresentador e humorista americano Bill Maher elevou o tom ao descrever o que ocorre como um "genocídio". Ele citou o grupo extremista Boko Haram e afirmou que "eles mataram mais de 100 mil pessoas desde 2009 e incendiaram 18 mil igrejas". Números semelhantes têm circulado nas redes sociais. O governo da Nigéria rebateu esses números , chamando-as de "grave deturpação da realidade". Não negou a existência de violência letal no país, mas disse que "os terroristas atacam todos os que rejeitam sua ideologia assassina: muçulmanos, cristãos e pessoas que não têm fé". Organizações que monitoram a violência política na Nigéria apontam que o número de cristãos mortos é bem menor do que aqueles que circulam nas redes sociais e afirmam que a maioria das vítimas dos grupos jihadistas é muçulmana. O analista de segurança nigeriano Christian Ani disse que, embora cristãos tenham sido atacados dentro de uma estratégia mais ampla de espalhar o terror, não é possível afirmar que sejam um alvo deliberado. A Nigéria enfrenta diversas crises de segurança em todo o território, não apenas a violência de grupos jihadistas, e cada uma tem causas distintas. Com cerca de 220 milhões de habitantes, o país tem populações muçulmanas e cristãs em proporções semelhantes. Mas no norte, onde ocorre a maior parte dos ataques, os muçulmanos são maioria. O que dizem os políticos americanos? Ted Cruz, senador do Texas pelo Partido Republicano, vem abordando o tema há algum tempo e, em 7/10, publicou na rede social X que "desde 2009, mais de 50 mil cristãos na Nigéria foram massacrados e mais de 18 mil igrejas e 2.000 escolas cristãs foram destruídas". Em resposta à BBC, o gabinete de Cruz afirmou que, ao contrário do apresentador Bill Maher, Cruz não classifica o caso como "genocídio", mas como "perseguição". O senador Cruz acusou autoridades nigerianas de "ignorar e até facilitar o assassinato em massa de cristãos por jihadistas islâmicos". Trump reiterou esse discurso e chamou a Nigéria de "país desonrado", dizendo que o governo "continua permitindo o assassinato de cristãos". O governo nigeriano nega as acusações e afirma que faz o possível para combater os jihadistas. Alguns integrantes do governo chegaram a ver com bons olhos uma eventual ajuda dos EUA, desde que não ocorra de forma unilateral. O senador republicano Ted Cruz acusou a Nigéria de facilitar a morte de milhares de cristãos, mas a origem de seus dados é contestada Getty Images As autoridades nigerianas têm enfrentado dificuldades para conter os grupos jihadistas e as redes criminosas. Quase toda semana há relatos de novos ataques ou sequestros. O Boko Haram — conhecido pelo sequestro das meninas de Chibok há pouco mais de uma década — atua desde 2009, com foco no nordeste do país, região de maioria muçulmana. Outros grupos jihadistas também surgiram, como a Província do Estado Islâmico da África Ocidental (ISWAP, na sigla em inglês), que opera na mesma área. Os números sobre mortes de cristãos citados por alguns políticos americanos assustam, mas é difícil de comprovar a precisão desses números. De onde vêm esses números? As estatísticas usadas por políticos dos EUA sobre a violência contra cristãos na Nigéria têm origem obscura. Em setembro, em um podcast, o senador Cruz mencionou diretamente um relatório de 2023 da International Society for Civil Liberties and Rule of Law (InterSociety, Sociedade Internacional pelas Liberdades Civis e o Estado de Direito, em tradução livre) — organização não governamental que monitora violações de direitos humanos na Nigéria. O gabinete do senador também enviou à BBC uma série de links para artigos sobre o tema, a maioria baseada em dados da própria InterSociety. O apresentador Maher não respondeu ao pedido da BBC sobre a origem dos números que tem citado, mas, pela semelhança com os usados por Cruz, é provável que também tenha se baseado nos relatórios da entidade. Apesar da influência que pode ter sobre a formulação da política americana para a Nigéria, o trabalho da InterSociety é pouco transparente. Em relatório publicado em agosto, uma combinação de estudos anteriores com números atualizados para 2025, a organização afirmou que grupos jihadistas mataram mais de 100 mil cristãos na Nigéria desde 2009. O documento também cita a morte de 60 mil "muçulmanos moderados" no mesmo período. A InterSociety não apresentou uma lista detalhada de fontes, o que torna impossível verificar o total de mortes relatadas. Diante das críticas, a entidade afirmou que "é quase impossível reproduzir todos os nossos relatórios e referências desde 2010. Nosso método mais simples é reunir as estatísticas resumidas e somá-las a novas descobertas para compor nossos relatórios". Ainda assim, as fontes citadas pela organização não correspondem aos números divulgados. Muitas das pessoas assassinadas e sequestradas pelo Boko Haram são muçulmanas AFP via Getty Images E quanto àqueles que morrerem em 2025? A InterSociety afirma que, entre janeiro e agosto deste ano, mais de 7.000 cristãos foram mortos na Nigéria, número amplamente divulgado nas redes sociais, inclusive pelo deputado republicano Riley M. Moore, um dos principais defensores do tema na Câmara dos Representantes dos EUA. O relatório da organização inclui uma lista de 70 reportagens usadas como base para suas conclusões sobre os ataques a cristãos em 2025. No entanto, em cerca da metade desses casos, as matérias originais não mencionam a identidade religiosa das vítimas. Um exemplo é o uso de uma reportagem da Al Jazeera sobre um ataque no nordeste do país. A InterSociety cita o texto dizendo que "não menos de 40 fazendeiros, em sua maioria cristãos, foram sequestrados pelo Boko Haram em Damboa, no estado de Borno". A reportagem original, porém, não mencionava que as vítimas eram "em sua maioria cristãs". Questionada pela BBC, a InterSociety afirmou que realiza análises complementares para identificar a origem das vítimas, sem explicar o método utilizado nesse caso específico. A entidade disse basear-se no conhecimento das populações locais e em "relatos da mídia cristã". Ao somar os números de mortes citados nas 70 reportagens, a BBC chegou a cerca de 3.000 vítimas, menos da metade do total informado pela InterSociety (7.000). Alguns ataques também parecem ter sido contabilizados mais de uma vez. Para justificar a diferença, a organização declarou que inclui estimativas de pessoas que acredita terem morrido em cativeiro e depoimentos de testemunhas que não pode divulgar publicamente. Quem está por trás dos assassinatos? Entre os grupos apontados pela InterSociety como responsáveis por ataques na Nigéria estão militantes islâmicos como o Boko Haram e também pastores fulanis. Os fulanis formam um grupo étnico majoritariamente muçulmano, presente em vários países da África Ocidental, que tradicionalmente vive da criação de gado e ovelhas. A inclusão dos pastores fulanis — descritos pela InterSociety como "jihadistas" em todos os seus relatórios — é motivo de controvérsia no país sobre como esses episódios devem ser classificados. Embora os fulanis sejam em sua maioria muçulmanos, pesquisadores que estudam o tema rejeitam a ideia de que se trate de um conflito religioso, afirmando que as disputas geralmente envolvem o acesso a terra e água. Os pastores fulanis já entraram em confronto com comunidades muçulmanas e cristãs em diferentes regiões da Nigéria. A violência envolvendo pastores fulanis está mais relacionada à disputa por território e recursos, segundo especialistas Getty Images O analista de segurança Ani afirma que "chamá-los de jihadistas é um exagero. Isso não tem relação com ideologia, mas com elementos criminosos e descontrolados". Para Confidence McHarry, analista sênior de segurança da consultoria SBM Intelligence, especializada na África, os confrontos costumam ter origem em tensões étnicas e disputas por recursos naturais. "Pode haver um componente étnico, eles buscam tomar terras e expandir território, mas, à medida que deslocam comunidades e atacam locais de culto, esses episódios passam a ser vistos sob outra ótica", afirma. A InterSociety também menciona os chamados "bandidos", como são conhecidos na Nigéria grupos de criminosos atuantes no noroeste do país, formados em sua maioria por fulanis, envolvidos em sequestros e assassinatos tanto de cristãos quanto de muçulmanos. Quem tem feito campanha sobre isso? Preocupações com supostas ameaças a cristãos na Nigéria vêm sendo discutidas há anos por políticos nos EUA e por organizações cristãs internacionais. Nos últimos anos, o tema tem sido levantado nos EUA pelo Indigenous People of Biafra (Ipob, Povos Indígenas de Biafra, em tradução livre) — grupo proibido na Nigéria que luta pela criação de um Estado independente no sudeste do país, de maioria cristã. O Exército nigeriano acusa a InterSociety de ter vínculos com o Ipob, mas a organização nega qualquer relação. Outro grupo separatista, o Biafra Republic Government in Exile (BRGIE, Governo da República de Biafra no Exílio, em tradução livre), também afirma ter desempenhado papel central na divulgação da narrativa de um "genocídio cristão" junto ao Congresso dos Estados Unidos. Em comunicado, o BRGIE descreveu essa campanha como um "esforço altamente orquestrado", dizendo ter contratado empresas de lobby e se reunido com autoridades americanas, entre elas o senador Ted Cruz. O parlamentar não quis comentar o assunto. As ameaças de Trump dominam as manchetes da imprensa na Nigéria Reuters O que dizem outros grupos de pesquisa? Os números divulgados pela InterSociety sobre o assassinato de cristãos na Nigéria são muito superiores aos registrados por outras fontes. O projeto Armed Conflict Location & Event Data (Acled, Dados de Localização e Eventos de Conflitos Armados, em tradução livre), que monitora de perto a violência na África Ocidental, apresenta estimativas bem diferentes, e com fontes rastreáveis e verificáveis. O analista sênior do Acled, Ladd Serwat, não comentou diretamente os relatórios da InterSociety, mas afirmou à BBC que o número de 100 mil mortes citado nas redes sociais incluiria todos os atos de violência política ocorridos na Nigéria. Assim, não seria correto afirmar que se trata do total de cristãos mortos desde 2009. Segundo o projeto Acled, desde 2009, foram registradas pouco menos de 53 mil mortes de civis — muçulmanos e cristãos — em episódios de violência política. Entre 2020 e setembro de 2025, cerca de 21 mil civis foram mortos em sequestros, ataques, casos de violência sexual e explosões. Nesse mesmo período, o projeto identificou 384 ataques em que cristãos foram especificamente alvo, resultando em 317 mortes, uma pequena fração do total de vítimas. Para compilar seus dados, o Acled utiliza informações de veículos de imprensa tradicionais, publicações em redes sociais verificadas, grupos de direitos humanos e parceiros locais. E quanto aos números de Trump? Em publicação na plataforma Truth Social na última sexta-feira (31/10), Trump afirmou que 3.100 cristãos foram mortos na Nigéria. Segundo um assessor da Casa Branca, o número faz referência a um relatório da organização Open Doors sobre mortes registradas entre outubro de 2023 e outubro de 2024. A Open Doors é uma entidade cristã que pesquisa casos de perseguição religiosa em todo o mundo. De acordo com o relatório, 3.100 cristãos foram mortos no período, além de 2.320 muçulmanos. A organização inclui os chamados "grupos terroristas fulanis" entre os responsáveis e afirma que eles foram responsáveis por quase um terço das mortes de cristãos. O pesquisador sênior da Open Doors, Frans Veerman, disse que "os cristãos continuam sendo alvo, mas cada vez mais alguns muçulmanos também são atacados por militantes fulanis". Analistas apontam que há diversos ataques violentos contra mesquitas e comunidades muçulmanas no noroeste da Nigéria. "Pode-se dizer que isso faz parte de um quadro mais amplo de insegurança", afirmou McHarry, da consultoria SBM Intelligence. "O motivo pelo qual não se atribui um caráter religioso a esses ataques é que os responsáveis, em sua maioria, também são muçulmanos." Homem passa mal em evento com Trump na Casa Branca Rússia divulga vídeo de bombardeio a vilarejo na Ucrânia

FONTE: https://g1.globo.com/mundo/noticia/2025/11/08/qual-e-a-situacao-dos-cristaos-na-nigeria-e-por-que-trump-esta-ameacando-intervir-no-pais.ghtml


#Compartilhe

Aplicativos


Locutor no Ar

Peça Sua Música

Top 5

top1
1. Raridade

Anderson Freire

top2
2. Advogado Fiel

Bruna Karla

top3
3. Casa do pai

Aline Barros

top4
4. Acalma o meu coração

Anderson Freire

top5
5. Ressuscita-me

Aline Barros

Anunciantes